Amor e rock 'n roll, das páginas para as telas
- Barbara Ankudovicz e Ketlyn Paes
- 2 de mai. de 2023
- 4 min de leitura
Atualizado: 15 de mai. de 2024
Crítica

Uma banda de rock que nasceu na garagem dos irmãos Dunne leva o leitor a conhecer personagens que facilmente teriam uma página na wikipedia, o que traz a possibilidade de uma rápida pesquisa para descobrir se aquilo tudo é realmente ficção. A história entra para o clube do livro com uma nota 7,5 de 10 estrelas e, também, merece considerações a respeito da série adaptada.
Taylor Jenkins Reid decidiu escrever a história como um documentário, o que pode gerar estranheza em alguns leitores, mas certamente sua escolha faz jus ao enredo, já que se trata de entrevistas que revisitam o passado da banda. A escrita é objetiva, mas consegue transitar entre o drama e a comédia de uma maneira muito fluida.
A adaptação soube trabalhar perfeitamente os acontecimentos do passado, enquanto vemos cada integrante dando seu depoimento nos dias atuais e, diferentemente do livro, onde não temos certeza absoluta de tudo que aconteceu por conta dos diversos pontos de vista que se contrariam, deixando muitos detalhes em aberto, a série traz clareza e pontualidade para a narrativa, tirando as dúvidas dos leitores e mostrando a verdade do que realmente aconteceu. Mas, apesar da clareza em muitos momentos da série, alguns pontos pareceram soltos e sem aprofundamento.
“Às vezes parece que alguns de nós estão correndo atrás de nossos pesadelos da mesma forma que as outras pessoas correm atrás dos seus sonhos.”
Por retratar uma banda de rock dos anos 70, o uso de drogas e álcool é constante, e isso leva à abordagem de assuntos mais sérios, como o vício e a dependência, sendo explicito pela autora desde o primeiro momento. Todo o arco do vocalista da banda, Billy Dunne, parece ter sido encolhido e mal aproveitado na série, tornando-o um personagem não tão profundo, que, se não fosse pela atuação de Sam Claflin, o público que não leu o livro, seria incapaz de sentir empatia – e até mesmo ódio, pelo personagem e não entenderiam o real motivo pela qual Billy comete tanto erros.
No caso de Daisy Jones, por exemplo, ela é apenas uma adolescente quando resolve entrar para o mundo da música e a rotina da jovem consiste em champanhe e entorpecentes, algo que vai se intensificando cada vez mais e mais com a passagem de tempo, até que, Daisy, no auge do sucesso com a banda, tem uma overdose momentos antes de entrar no palco. O vício de Daisy é bem retratado no livro e em diversos momentos vemos a personagem tendo consciência de que deveria parar, mas não consegue. Já na série, o uso das drogas e das pílulas foram mais subjetivos, e se tornaram presente de fato apenas nos últimos episódios, no qual Daisy tem a overdose.
Além dos vícios, Taylor também retrata outros assuntos sérios, como aborto, machismo e abuso de poder dentro da indústria, mas que, novamente não foram bem aproveitados na adaptação para as telas. A personagem Karen Sirko, tecladista da banda, é o retrato perfeito de uma mulher que tenta conquistar seu espaço em um ambiente predominantemente masculino e faz o possível e impossível para colocar sua carreira em primeiro lugar, mas com o passar dos anos, ela acaba se envolvendo com Graham e o relacionamento é marcado por ser um segredo e pelo contraste entre as duas personalidades, uma vez que ele estava disposto a lutar pelo conforto de uma relação e ela pela dor de fazer seu próprio nome.
Karen é uma revolucionária do seu próprio tempo, expondo suas opiniões que vão de contrário aos pensamentos da maioria em discussões a respeito da sexualização do corpo feminino e do papel da mulher na sociedade. Ela não quer ser resumida ao título de namorada em uma época que o machismo traria todo tipo de rumor a respeito de sua entrada na banda.

O momento de maior conflito do casal foi resumido a minutos em uma cena que não causa impacto algum, deixando um vazio nesse obstáculo importante para o desfecho dos dois. O encerramento dessas figuras não tem a carga emocional necessária que deixou o leitor aos prantos enquanto lia a respeito do sobe e desce de um elevador. Assim como a dependência de Billy e o vicio de Daisy, o aborto de Karen e seu relacionamento com Graham, foram apenas colocados na minissérie como detalhes onde pareciam ter receio de aprofundar e causar alguma controvérsia com a audiência.
Além desses fatos, outro ponto pouco trabalhado na história, foi a gravidez de Camila Dunne, que tinha apenas 18 anos quando se casou com Billy e se viu obrigada a cuidar de sua filha sozinha, enquanto o pai estava em turnê. Apesar de tudo, a Camila tem seus ideais muito bem definidos e lida com todas as pessoas, sejam eles família, ou não, de forma acolhedora e sincera. Ela poderia, em muitos momentos, ter jogado tudo pelos ares e entrado em completo surto, todos concordariam com isso, já que motivos não faltam. Mas ela para, respira e coloca sob a mesa os seus objetivos. A personagem é o ponto alto do desenvolvimento da narrativa, ela sim comanda todos os acontecimentos paralelos.
“Mas amar alguém não é perfeição e bons momentos, rir e fazer amor. Amor é perdão, paciência e fé e, de vez em quando, é um soco no estômago.”
Apesar da falta de desenvolvimento em todos os pontos citados anteriormente, a obra, tanto no formato literário quanto na adaptação, faz um excelente trabalho ao representar a importância da amizade feminina, deixando claro que não há competição ou rivalidade, e sim uma espécie de porto seguro entre as mulheres da narrativa.
O trabalho de Taylor Jenkins Reid por si só é excepcional, provando mais uma vez, que a autora desenvolveu uma história que instiga o coração do leitor do início ao fim, fazendo jus ao fato de ser uma das escritoras mais comentadas dos últimos tempos. Com todos os altos e baixos, é impossível não se identificar e é impossível não se emocionar com a montanha russa de sentimentos que Daisy Jones & The Six é capaz de proporcionar.
“História é o que você fez, não o que quase fez, não o que você pensou em fazer. E eu estava orgulhoso do que fiz.”
Commentaires