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¨Andares¨: uma distopia nacional com tom cômico e satírico

  • Ketlyn Paes
  • 25 de mar. de 2024
  • 4 min de leitura

Atualizado: 15 de mai. de 2024

¨Andares¨ parece planejar uma sátira em um tema muito explorado, mas falha ao executar ideias básicas e a premissa de envolver o leitor.


Crítica


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Em um futuro distópico, o planeta Terra já não é normalmente habitado, ao passo que um gigante prédio isola os seres humanos restantes de uma atmosfera tóxica e inabitável. O edifício possui classes segregadas, em que nos andares mais altos residem os mais ricos, detentores de poder, e quanto mais baixo, mais miseráveis os moradores se encontram. Dividido em pontos de vista, o livro conta a história de quatro personagens - Natália, Larissa, Joaquim e Mateus - que se unem conforme as páginas viram na obra de Sávio Batista.


A inocente protagonista da rebelião

Natália é uma jovem adulta, com dificuldades em interagir socialmente, mas que há pouco se viu contente com o novo emprego. Nesse universo, a tecnologia é super avançada e a personagem trabalha observando uma câmera de segurança e, caso algo saia do padrão, ela deve acionar um alarme. Eis que o inevitável acontece e ele vê algo que não devia. A partir desse momento, Natália tem a oportunidade de alavancar seu emprego, numa espécie de ameaça em que ela é ¨presenteada¨ para não divulgar o que viu.

Nesse novo emprego, Natália adentra no mais obscuro sistema de andares. É um ponto de vista da história que opta pelo lado político de forma mais clara, quando expõe grupos rebeldes que não querem mais aceitar o conjunto de castas. Mas tudo parece feito de maneira jogada e pouco desenvolvida. Talvez isso se dê pelo leitor estar descobrindo tudo junto a Natália e ela ser leiga no assunto, mas se a intenção era realmente essa, a personagem - junto ao leitor - merecia mais esclarecimentos. Existe um momento específico, perto do ato final, em que somos colocados de frente com uma personalidade responsável pelo que será o clímax da história, toda a rebelião é explicada em poucos parágrafos sem um real progresso.


A poeta metida a influenciadora digital

Quando conhecemos Natália, já damos de cara com Larissa, sua irmã adolescente que ama redes sociais e estar conectada 100% do tempo. A caçula começa com poucos seguidores, mas assim como a irmã mais velha, ela tem uma ascensão após o incidente no emprego. Larissa é uma visível transcrição do que são os criadores de conteúdo digital no mundo real e talvez por isso mesmo seja difícil se apegar, ao ponto que quando ela passa por dificuldades é desinteressante.

Publicando poemas para os milhões de seguidores, a jovem se vê num impasse quando descobre que são apenas robôs a assistindo e ela precisa conquistar pessoas de verdade. A personagem é egoísta e não mede esforços para alavancar no meio digital, fingindo ideais, entrando em um falso relacionamento e sendo responsável por um aplicativo que une almas gêmeas.

¨Pulsos¨ é a revolução dos andares quando tem seu lançamento adiantado e promete te conectar a metade da sua laranja - ou a ninguém, já que alguns moradores não tem um par perfeito. O aplicativo é mais um conceito apresentado no livro como tentativa de criticar a supervalorização do digital e a falta de amor próprio que existe em qualquer sociedade.


O andar com estética cyberpunk

Meu ponto de vista favorito é o de Joaquim, uma espécie de assassino de aluguel que tira a vida de pessoas em troca de moedas. Com um objetivo secreto por trás da busca por dinheiro, o homem mata a sangue frio e quebra alianças a todo momento - ao passo que também desenvolve os pactos, quando se casou para ganhar mais dinheiro, por exemplo.

Nessa perspectiva, o autor mostra uma realidade completamente desprezada e pobre. Os indivíduos não têm relações afetivas por seus parentes e mesmo uma jovem com bebê de colo é só mais uma oportunidade de receber recompensas. Aqui o autor mostra o mais baixo dos andares. Ao menos, até o último capítulo em que tudo foi por água abaixo de maneira decepcionante.


O encontro de perspectivas

Conforme a história passa, vemos a ligação de um personagem com outro e a maioria desses encontros se dá por Mateus, um adolescente melancólico que sofre ao buscar uma verdadeira conexão no mundo em que o bloqueio on-line significa uma real exclusão social.

Mateus é um personagem interessante por trazer diversas camadas. Desde a relação conturbada com o pai, a amizade falida com Larissa, o sentimento de vingança e, ao mesmo tempo, a fragilidade de quem nunca deixou de ser criança. Criado emocionalmente pela mãe, ele a trata com um respeito que não existe para com as outras relações e é agradável ler as interações que os dois mantêm.

Existe um descontentamento por parte de Mateus com toda a realidade que o cerca e os pensamentos autodestrutivos são bem explorados. O tom cômico de toda a narrativa, aqui dá espaço ao desalento e o tédio de tudo sempre dar errado.


¨Faça uma pessoa acreditar que precisa sempre olhar para baixo e ela se esquecerá de que no céu existem estrelas¨.

De forma apressada, o final do livro faz sentido dentro do ritmo que se manteve durante as quase 200 páginas, encerrando a narrativa com um final ¨merecido¨ a cada um dos personagens. O autor tem claras referências do mundo pop e da literatura distópica como um todo, o que trouxe um dinamismo à leitura, principalmente no tom de comédia adotado na maior parte da história.

No fim, o emprego dos sonhos de Natália não importava, os milhões de seguidores de Larissa não a salvaram, Joaquim era só mais uma peça dentro de um mundo digital e o passado sombrio de Mateus não o definia - e os andares não foram os responsáveis pela divisão no desfecho.

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