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Challengers: tudo é sobre tênis, menos o que realmente é

  • Juliana Andrade
  • 23 de mai. de 2024
  • 6 min de leitura

“Luca Guadagnino volta em Challengers com uma promessa que se cumpre de forma bonita ao desenrolar um novelo de três fios, emaranhado em uma quadra de tênis.”


"Challengers" surgiu no começo do ano como uma promessa do cinema e uma aposta certa nas grandes premiações. O nome do diretor italiano Luca Guadagnino já se concretizou de forma sólida e influente entre os amantes de filmes, e um novo projeto que traz Zendaya como o centro dos holofotes é, certamente, um ótimo presságio.


Divulgação: reprodução

Aqui, aterrissamos no meio de um território que já é dominado por três pessoas: Art, Tashi e Patrick. Ao invés de conhecermos cada trilha dos personagens de forma morna, somos inseridos como espectadores de um jogo que já começou, entre um casal que se mantém junto por um triz e dois homens que um dia foram amigos e hoje não passam de estranhos. 


Tashi era uma jogadora promissora de tênis, que colecionava fãs ao redor da quadra como figurinhas de um álbum e da mesma forma, cativou Art e Patrick, dois amigos de infância que compartilham o tênis como algo em comum, um como hobby e outro por paixão. O interesse de ambos por Tashi cresce para além das linhas da quadra e os destina a um triângulo amoroso fadado ao fracasso desde o primeiro encontro. Em meio a uma partida que não parece ter fim, a partir daí, vemos Guadagnino brilhar no que sabe fazer com maestria ao contar mais uma história comum (ou nem tanto) sobre pessoas complexas, falhas e cheias de camadas.


Anos após um acidente que marcou o fim de sua carreira como jogadora de tênis, Tashi agora é apenas treinadora e acompanha tudo das arquibancadas, uma "voyeur" de seu próprio sonho. É nas conquistas de Art, quem tornou-se seu marido e um jogador renomado, que Tashi pode entrar em contato com o sucesso que um dia quase foi seu. Entretanto, quando Art se perde em uma sequência de jogos fracassados, o casamento deles é posto à prova. 


Na tentativa de salvar a carreira dele e, por extensão, a sua própria, Tashi inscreve Art em um torneio de nível médio – chamado, no tênis, de "challenger". É nessa cidade pequena que ambos são colocados frente a frente outra vez, dentro e fora de quadra, com Patrick, antigo melhor amigo de Art e com quem Tashi namorou até o dia do seu fatídico acidente. Patrick não cresceu no esporte como Art, agora um mero jogador de campeonatos menores. Assim, reencontra na partida contra o ex amigo uma competição que perdura silenciosamente por anos e que só pode ser encerrada com um vencedor.


Guadagnino opta por contar essa história em partes, dividindo o filme em uma cronologia que vai e volta, no mesmo ritmo da bola de tênis em uma partida. Nunca estamos parados em um só lugar, assistindo uma mesma cena por muito tempo. As cenas mais longas da obra são justamente aquelas com maior apelo para a história, mas momentos tão importantes quanto para o entendimento dos personagens se movimentam no tempo, entre passado e presente, com uma cadência que mantém o filme dinâmico. 


Sempre voltamos a um mesmo cenário: a partida de tênis entre Art e Patrick, que tem início quase no começo do filme e se prolonga entre diversos cortes até os minutos finais, quando se encerra em um momento catártico que nos faz pensar “ah, então era isso”. E de uma forma boa.


Talvez o pano de fundo técnico, através do esporte que acompanhamos ao longo da trama, deixe o interesse de alguns que assistem pelo caminho. Mas “Challengers” tem seu verdadeiro poder nos detalhes e no pouco que acompanhamos dos personagens como pessoas que existem além da quadra. Quem são essas pessoas quando não estão jogando? É uma pergunta difícil de ser respondida e talvez seja esse o propósito, porque entre eles, tudo é tênis, menos o que realmente é.


Divulgação: reprodução

Quando estão fora de quadra, o relacionamento de Tashi e Art parece se basear somente no que eles têm em comum através do esporte, quase nada, e na relação de poder que isso estabelece sob eles, que é quase tudo. Fora de quadra, Art e Patrick, um dia, foram melhores amigos e agora já não são nada, mas o que fica por debaixo dos panos, aquilo que a câmera não capta, o silêncio dos anos que passaram, faz deles cúmplices de um sentimento muito maior, em que Tashi é a catalisadora. Sem ela, tudo poderia ter sido diferente.


Enquanto assistimos o desenrolar do trisal e todas as suas reviravoltas, por um momento, quase esquecemos do sofrimento de Tashi, que foi forçada a abrir mão de sua maior paixão para se tornar aquela que instrui o caminho dos que alcançam o topo, onde ela sempre quis chegar. Quem sabe, o diretor faça uma sugestão implícita às mulheres que abrem mão de diversos sonhos em prol da carreira de seus maridos, mas ao meu ver, isso só acrescenta à grandeza que a personagem de Zendaya encontra em suas falhas e fortalece o poder que ela naturalmente exerce diante da relação dos três.


Em uma conversa com Patrick, Art diz que tênis é um relacionamento. É sobre ganhar os pontos que importam. São através de metáforas como essas que é possível desabrochar a complexidade dos sentimentos entre eles e mostrar como isso produz uma reação em cadeia nos personagens. É como se, até o momento final, não soubéssemos o que um realmente sente pelo outro, se é amor ou apenas dominância, nos questionando se há uma linha tênue entre reverenciar alguém e amá-lo por completo. Talvez a abordagem do filme, em sua subjetividade, incomode algumas pessoas, mas não foi esse o caso comigo.


“Challengers” é uma experiência cinematográfica em seu cerne, dos estímulos sensoriais, com uma trilha sonora original impecável que adiciona tensão nos momentos certos e uma fotografia mais bela ainda, às suas atuações marcantes. Zendaya (Tashi) mais do que nos convence no papel de uma mulher dominante e ao mesmo tempo fragilizada pela perda do sonho de uma vida, que é pilar central na relação conturbada dos três, assim como Mike Faist (Art) e Josh O’Connor (Patrick) brilham na particularidade dos seus papeis, nos prendendo na angústia de uma amizade que perdeu a cor pouco a pouco e que talvez nunca tenha se prendido aos limites de uma amizade comum.


Quando digo que a única parte que não é sobre tênis é o próprio tênis é porque esse é o único fio que liga os três personagens de uma só vez. Todo o emaranhado e toda a confusão são resultados disso. Se não estão falando sobre tênis, então, para eles, não há mais nada do que falar. E se falam sobre tênis, então é porque algo de muito mais profundo sobre seus próprios sentimentos irá se sobressair em meio àquilo. Quando são colocados de frente, Art e Patrick provam, outra vez, que Tashi é quem os domina, a força motriz, imparável e incalculável, mesmo enquanto apenas assiste, nas margens de tudo que foi deixado sem ser dito entre os dois. 


O mundo de coisas que fica subentendido ao final da obra é o que pode torná-la boa o bastante ou não para quem assiste. Confesso que “Challengers” cresceu mais em mim nos dias seguintes e não no exato momento em que os créditos subiram. É esse tempo de reflexão sobre a relação entre os personagens que me faz acreditar que Luca Guadagnino é alguém que tem muito a dizer ainda, e nós deveríamos escutar. 


Nos olhares sutis, nos pequenos toques e no encostar rápido de corpos, somos cercados por uma bolha que é espetada ao fim do filme, em um ato que nos deixa pensativos sobre o seu real significado. Em seus momentos

Divulgação: reprodução

mais técnicos, “Challengers” é um filme sensual, que não se arrisca tanto no sexo como um motor para o roteiro quanto prometia, mas deixa os segredos entre os três sempre à vista, como quem nos convida a olhar mais de perto, e isso é o suficiente para adicionar sensualidade à trama. 


Tal qual Tashi, assistimos da arquibancada enquanto os eventos se desenrolam na frente dos nossos olhos, mas no fim, Art e Patrick estão sujeitos somente a isso também: assistir. Nas diferentes dinâmicas entre eles, não se pode fugir do fato de que sempre haverá uma terceira pessoa ali, independente de quem sejam os outros dois.


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Convidado:
23 de mai. de 2024

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