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It's the journey

  • Ketlyn Paes
  • 11 de out. de 2023
  • 9 min de leitura

Atualizado: 19 de abr. de 2024

Crônica


No dia 10 de setembro de 2023, o último dia do festival “The Town” aconteceu no Autódromo de Interlagos, em São Paulo. A crônica a seguir destaca pontos da experiência de Ketlyn Paes.


Essa história tem vários começos e um deles situa-se no dia 14 de março de 2023, uma terça-feira comum para a maioria das pessoas e, para mim, isso não seria diferente - até que eu cheguei na faculdade. Me sentei atrás da rede de um fast food qualquer onde sempre encontro minhas amigas e a notícia: naquele dia as vendas para o festival “The Town” começariam.


Barbara e eu - protagonista dessa crônica ao meu lado - já tínhamos comentado que seria legal ir porque o Bruno Mars tinha sido confirmado, mas sendo bem sincera eu falei da boca pra fora até aquele dia em que começamos a repetir a sequência de falas que guiam nossas existências: “vamos, só se vive uma vez”. Então naquela mesma noite compramos os ingressos na pré-venda.


Por: Barbara Ankudovicz

É engraçado pensar na trajetória desse ingresso, já que enquanto pagávamos as parcelas ainda estávamos animadas e felizes, ansiosas pelo momento. Só que os meses foram passando, a lineup foi sendo divulgada e meu rosto começava a criar uma feição de medo e desânimo - principalmente após a notícia que o festival se estenderia até uma da manhã. “Será que a gente tenta vender?” Eu e Barbara perguntávamos atônitas, mas uma coisa nos impediu. “A intuição de que seria um ótimo show?” você me pergunta. A resposta é: não, na verdade foi a voz da Gloria Groove anunciando seu novo show no palco The One pelos metrôs de São Paulo. A ação de marketing perseguiu essas duas jovens todos os dias no caminho da faculdade para os respectivos estágios ao ponto que decoramos a fala da cantora e a cada dia que passou nos empolgamos mais com a perspectiva de viver a primeira edição da “cidade da música”. Por volta de agosto, a ideia principal era assistir a diversos artistas e participar das ativações. Até fizemos uma espécie de maratona para treinar o caminho entre um palco e outro e, assim, assistir ao show do Jão e, logo em seguida, do Bruno Mars.


Porém, no dia 3 de setembro, a dupla, que já tinha um plano arquitetado, decidiu acompanhar a transmissão do festival e a maior loucura foi decidida junto a uma série de mensagens no Whatsapp enquanto testemunhava a performance de ”Treasure”: vamos pegar grade.

Eu já havia ido em outros shows, mas nunca em um festival - principalmente do porte que o “The Town” se mostrava - e muito menos tentei grade em qualquer ocasião porque o que mais se escuta são os terrores dessa situação com pessoas passando mal, optando por usar fraldas e, em resumo, vivendo condições completamente insalubres que eu não me prestaria ao papel. Mas sendo uma jovem que topa tudo pela emoção, eu embarquei na ideia.


Tudo certo, roupas decididas, lanchinhos comprados, capa de chuva ao nosso dispor e um sonho - junto a uma promessa de que se ficássemos perto do havaiano de 1,65 de altura faríamos alguma mudança no cabelo.

Dia 10 chegou, um domingo de sol aparente e muita disposição. Encontrei a Barbara na estação Autódromo por volta das 10h da manhã e seguimos com um sorriso no rosto. Semblante esse que durou cerca de cinco minutos até que chegamos na fila extensa, já não se sabia onde era o início - mas isso não destruiu nossos sonhos e próximo de 13h30 estávamos no nosso lugar próximo a grade lateral esquerda.


Vale ressaltar as tampinhas de garrafa que colocamos nos tênis e dentro das roupas, o número de lanches - principalmente barrinhas de proteína que nos manteriam vivas pelas próximas 14 horas - que excedia o permitido, quatro carregadores portáteis e muita, muita, água. Tudo isso passou pela revista, o que na hora nos remetia a sorte, mas depois gerou uma reflexão sobre a segurança falha do evento.


Quando chegamos ao palco principal, o Skyline, a multidão já estava se acomodando no chão com o intuito de levantar apenas na hora dos shows e poupar energias. Ali conheci muitas outras meninas que compartilhavam dos mesmos interesses e toparam a loucura de ficar próximo ao palco por inúmeras horas. Acho que essa é uma das partes mais mágicas da experiência, conhecer pessoas que por um dia se tornam família - esse número considerável de garotas que a partir do primeiro lanche já dividia uma intimidade inexplicável ao ponto de se divertir com um gloss escondido dentro do sanduíche.


Iza - Por: Barbara Ankudovicz

A cantora Iza chegou para tirar o público do chão pela primeira vez e não decepcionou em questão de visuais, coreografia e estrutura de palco. Que ela tem inúmeros hits eu já sabia e gritei em coro músicas como “Dona de Mim” e “Meu Talismã”, mas a surpresa foram os convidados que a artista apresentava um após o outro.

Gritar a plenos pulmões “meu namorado é o maior otário”, com a própria Mc Carol ali na minha frente foi provavelmente uma das experiências mais brasileiras e contagiantes que eu poderia ter tido. Em seguida percebi, pela primeira vez, como aquele dia seria um divisor de águas quando vi a Barbara cantando - berrando talvez expresse melhor - “Ai, preto” do L7nnon e encarnando o hit do rapper. Djonga também esteve presente e o telão foi tomado pela frase “fogo nos racistas”. Estando ali, no lugar de público e fã, o que a Iza fez foi um presente à diversas referências nacionais e internacionais, difundindo sua própria cultura e história que, de certa forma, conversava com todos os presentes.


Variedade de palcos é um dos aspectos que definem um bom festival, como eu permaneci o dia todo no mesmo lugar não pude aproveitar isso, mas a direção do evento transmitiu os espetáculos do The One para nós que estávamos no Skyline. Marina Sena, Pabllo Vittar e Gloria Groove no telão foram peças primordiais para que o cansaço não me abalasse. Cantei e dancei como se estivesse, de fato, próxima a elas - não só eu, como muitas pessoas ao meu redor dando a vida em títulos como “Amor de Que” e “Vermelho”.


Kim Petras - Por: Barbara Ankudovicz

“A lucky, lucky girl“, Kim Petras, chegou ao público às 18h e trouxe lembranças do último Grammy. O show foi surpreendente de uma maneira pouco comum, já que poucas pessoas cantavam as músicas ou sequer animavam gritos de incentivo - no início chegava a ser constrangedor o silêncio absurdo. Eu só conhecia uma música, que ela com certeza deixaria para o final, mas minha fiel escudeira Barbara tinha mais a oferecer. Quando a alemã começou a cantar “Can’t do better” já tínhamos o celular pronto para pedir em uma espécie de cartaz digital - que não foi necessário quando logo ouvimos a introdução: “Do anything to keep you near”. Esqueci de comentar um detalhe que agora se faz importante, câmeras passavam por nós a todo momento, mas geralmente ficavam nos fãs que estavam mais ao meio - ou mais emocionados - esse foi o caso da minha dupla que carregou a apresentação e se eu puder jurar, sem provas além das memórias que foram tomadas pela névoa da emoção, a Kim olhou diretamente para ela e passou essa música inteira mais para a esquerda do palco. Ao fim, liguei para meu grupo de amigas em uma chamada de vídeo e cantamos em alto e bom som “Unholy”, o feat da cantora com Sam Smith.


H.E.R - Por: Barbara Ankudovicz

Dez horas após chegar na estação do autódromo lá estava eu, esperando ela entrar no palco. Quem? H.E.R. A cantora levou um fã para cantar no palco, executou um solo de guitarra que me conquistou e surpreendeu quando me fez chorar. “All the times you thought you'd never make it through (Todas as vezes que você pensou que nunca conseguiria)”. Olhei aquela imensidão que me cercava. “Still you got through ( Ainda assim você passou) / Somehow it’s all part of the plan (De alguma forma, tudo faz parte do plano)”. Tudo tão gigante, e eu não era uma mera espectadora, eu estava vivendo. “It's the fire that they can't put out inside (É o fogo que eles não conseguem apagar por dentro) / Further than you'd ever thought possible (Mais longe do que você jamais imaginou ser possível)”. Senti as lágrimas tomando conta do meu rosto. “Prove them all wrong (Prove que estão todos errados) / It's a part of the bigger plan (É uma parte do plano maior)”. A Barbara virou pra me abraçar. “It's the journey”. É a jornada. A minha jornada.


Assim que as luzes se apagaram, todos sentaram-se no chão. Não tinha espaço suficiente, então pernas estavam por cima de pernas, eram muitos chutes e alguns pedidos de desculpas. Nesse ponto eu já não me sentia dentro de mim, minha sanidade parecia dar os últimos sinais antes de deixar o corpo - além da minha pressão que, com certeza, foi para o chão junto com todo mundo. Comecei a comer mais uma barrinha de proteína, eu sentia fome e vontade de comer a pizza que repetia na propaganda do telão a minha frente. Queria ir ao banheiro, mas naquele ponto só se eu fingisse um desmaio - talvez nem precisasse fingir. Então eu olhava a Barbara e ela parecia tão disposta. Decidi fingir que estava tudo bem, não seria eu a trazer desânimo para o momento.


Às noves horas o Jão começou a cantar no palco contrário de onde nos encontrávamos. Uma força surgiu no meu corpo e me coloquei de pé. Cantei “Alinhamento Milenar” com um sorriso de quem pensa em alguém - diga-se de passagem que em “Julho” eu também pensava, mas essa baixa o astral. Revivemos. A contar desse momento nada me abalava. Eu esperaria mais 10, 15, 20 horas pelo Bruno Mars com todo o entusiasmo que coubesse no meu corpo. Valeria a pena. E valeu.


Bruno Mars - Por: Barbara Ankudovicz

“24k Magic“ deu início ao que seria o melhor show da minha vida. Bruno Mars é o tipo de artista completo que todo mundo é meio fã. Presença de palco, danças em sincronia com o resto da equipe, hit atrás de hit - e mesmo com mais de uma hora não tem tempo de performar todos! Bruno deu oportunidade a todos da banda, assim cada músico teve um momento solo de brilhar. Como a própria música diz: Bruninho, “you are my treasure (você é meu tesouro)“.


“Every time I close my eyes (toda vez que eu fecho meus olhos) / I see my name in shining lights (eu vejo meu nome em luzes brilhantes)” - eu vi esse homem em luzes brilhantes e desde então sempre revisito as memórias.

O telefone começou a tocar. “Oi, sumida”… Gritos, gritos e mais gritos. Toda a minha energia foi direcionada a espernear no tom mais agudo possível por esse homem e por essa ligação - que eu tanto queria atender. “Eu quero você, gostosa” - e os pensamentos que rodeavam minha cabeça naquele momento vão ficar guardados por um bem maior, assim como as reações da Barbara em “Versace on the Floor”.


Da mesma forma que em “Marry you”, aquela era uma noite linda e eu procurava algo idiota para fazer. Bruno, acho que todos ali querem casar com você! Em algum dado momento, ele se sentou próximo a um piano e começou a interpretar algumas músicas de forma íntima e próxima, quase como se tocasse só para mim. “Young, Wild & Free” foi uma das mais marcantes, visto que representa bem a fase jovem de só querer se divertir.

Mais um solo de um dos músicos no palco, mas dessa vez uma melodia conhecida por todos os brasileiros. “Evidências”. Aproximadamente 100 mil pessoas, segundo a própria organização, cantavam um dos maiores hinos do país. “Eu entrego a minha vida, pra você fazer o que quiser de mim”, ao mesmo tempo que o próprio Xororó aparecia no telão, junto a esposa Noely e o filho Junior Lima.


“Can I just stay here? Spend the rest of my days here?

“Uptown Funk” finalizou a apresentação com confetes, muitas luzes e uma euforia que eu ainda sou incapaz de descrever em palavras.


Bruno Mars - Por: Barbara Ankudovicz

A volta para casa foi marcada por horas tentando sair de Interlagos, olhos vermelhos, muitas bolsas e sacolas penduradas em mim e a ambição de pegar um carro de aplicativo que não acabasse com nossos salários - spoiler: acabou, sim. Conseguimos a corrida em um lugar muito suspeito e já vazio, mas na hora nem pensamos no perigo que nos acompanhava, no fim virou história para contar.


Dentro do carro, descobri que a Barbara também fingiu estar bem, a gente se apoiou na confiança falsa uma da outra e a amizade pulou de nível. Quando ela desceu na porta de casa, ainda segui a viagem por mais 20 minutos - continuei acompanhada pela minha amiga e, coincidentemente, cunhada. Que as 3h da manhã me ouvia contar cada detalhe dessa experiência transformadora.


No fim, talvez tenha sido, sim, uma intuição que me guiou a não vender o ingresso lá em agosto. Talvez uma versão minha do futuro tenha mandado sinais de que esse dia renovaria minha alma. Que bom que eu ouvi.

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